Conheça o retrato dramático da saúde
pública no Brasil e saiba por que o programa do governo de importação de
médicos pode ajudar a resolver esse flagelo
Paulo Moreira Leite e Izabelle Torres
No início do ano, uma pesquisa do Ipea realizada com 2.773
frequentadores do SUS, o Sistema Único de Saúde, indicou que o principal
problema de 58% dos brasileiros que procuram atendimento na rede
pública é a falta de médicos. Num país com cerca de 400 mil médicos
formados, no qual pouco mais de 300 mil exercem a profissão, nada menos
que700 municípios – ou 15% do total – não possuem um único profissional
de saúde. Em outros 1,9 mil municípios, 3 mil candidatos a paciente
disputam a atenção estatística de menos de um médico por pessoa –
imagine por 30 segundos como pode ser a consulta dessas pessoas. Na
segunda-feira 8, no Palácio do Planalto, a presidenta Dilma Rousseff
assinará uma medida provisória e três editais para tentar dar um basta a
essa situação dramática em que está envolta a saúde pública do País.
Trata-se da criação do programa Mais Hospitais, Mais Médicos. Embora
inclua ampliação de bolsas de estudo para recém-formados e mudanças na
prioridade para cursos de especialização, com foco nas necessidades
próprias da população menos assistida, o ponto forte do programa envolve
uma decisão política drástica – a de trazer milhares de médicos
estrangeiros, da Espanha, de Portugal e de Cuba, para preencher 9,5 mil
vagas em aberto nas regiões mais pobres do País.
Na última semana, ISTOÉ teve acesso aos bastidores do plano que pode
revolucionar o SUS. Numa medida destinada a responder aos protestos que
entidades médicas organizaram nas últimas semanas pelo País, o governo
decidiu organizar a entrada dos médicos estrangeiros em duas etapas.
Numa primeira fase, irá reservar as vagas disponíveis para médicos
brasileiros. Numa segunda fase, irá oferecer os postos remanescentes a
estrangeiros interessados. Conforme apurou ISTOÉ, universidades e
centros de pesquisa serão chamados a auxiliar no exame e na integração
dos médicos de fora. Não é só. Numa operação guardada em absoluto
sigilo, o Ministério da Defesa também foi acionado para elaborar um
plano de deslocamento e apoio aos profissionais – estrangeiros ou não –
que irão trabalhar na Amazônia e outros pontos remotos do País, onde as
instalações militares costumam funcionar como único ponto de referência
do Estado brasileiro – inclusive para questões de saúde. O apoio militar
prevê ainda um período de treinamento básico de selva com 24 dias de
duração.
Uma primeira experiência, ocorrida no início do ano, é ilustrativa do
que deve acontecer. Em busca de médicos para 13 mil postos abertos em
pontos remotos de 2,9 mil prefeituras do país, mas reservados
exclusivamente a brasileiros, o Ministério da Saúde mal conseguiu
preencher 3 mil vagas, ainda que oferecesse uma remuneração
relativamente convidativa para recém-formados, no valor R$ 8 mil
mensais, o equivalente a um profissional de desempenho regular em
estágio médio da carreira. Essa dificuldade se explica por várias
razões. Poucas pessoas nascidas e criadas nos bairros de classe média
das grandes cidades do País, origem de boa parte dos médicos
brasileiros, têm disposição de abandonar amigos, família e todo um
ambiente cultural para se embrenhar numa região desconhecida e inóspita.
Isso vale não só para médicos, engenheiros, advogados, mas também para
jornalistas.
O motivo essencial, contudo, reside numa regra econômica que regula boa
parte da atividade humana, inclusive aquela que define chances e
oportunidades para profissionais de saúde – a lei da oferta e a procura.
Em função da elevação da renda da população e também de uma demografia
que transformou o envelhecimento numa realidade urgente, nos últimos dez
anos assistiu-se a uma evolução curiosa no universo da saúde
brasileira. Formou-se a demanda por 146 mil novos médicos, no Brasil
inteiro, mas nossas universidades só conseguiram produzir dois terços
dessa quantia, deixando um déficit de 54 mil doutores ao fim de uma
década. Num sintoma desse processo, os vencimentos dos médicos
brasileiros ocupam, hoje, o primeiro lugar na remuneração de
profissionais liberais, superando engenheiros e mesmo advogados.
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